Sou do tempo da escrita. Dos cadernos, das cartas e dos diários escritos à mão. A letra que é desenhada. Hoje em dia isso me parece uma obra de arte de tão distante que está. Aos 24 anos o computador entrou na minha vida e ficou para sempre, ocupando cada vez mais espaço, com toda a rapidez e possibilidades incríveis – corrigir mil vezes um texto sem que fique uma colcha de retalho de manchas como era corrigir no caderno ou na máquina de escrever, ter a ortografia corrigida automaticamente, diminuir o desmatamento das florestas para produzir papel, etc, etc etc .
Em contrapartida toda uma nova geração com olhos que enxergam cada vez menos, o vício e o isolamento com a máquina, a superficialidade da comunicação. E desconfio que também teclar no lugar de desenhar as letras deixa de estimular partes importantes do cérebro relacionadas com criatividade. As culturas mais extraordinárias, que geraram inúmeros sábios, gênios, poetas, artistas, matemáticos tem uma escrita tremendamente bela e refinada como a chinesa, a persa, a judaica.
Cresci muito com as inúmeras cartas que escrevi por anos aos amigos. Aprendi a expressar meu mundo interno pela escrita, a refletir sobre o que lia quando eles me respondiam, mastigar, sentir, responder, construir relações à distância com profundidade. As cartas podiam demorar até dez dias, por isso não se escrevia em vão. Eu esperava cartas gordas, cheias de histórias e reflexões, e assim esperavam meus amigos também. Com o tempo incluíamos todo mundo nas cartas, as inúmeras mãos pelas quais circularia, a figura tão querida do carteiro que a entregaria. Para isso pintávamos, desenhávamos, escrevíamos mensagens no envelope para alegrara a vida de todos esses personagens. Era muito divertido. Também lento.
Gosto da escrita … e gosto dos cadernos, cadernetas, blocos, papéis, canetas … meus pensamentos, emoções cabem muito mais em um diário do que num pc. No último natal fiquei com saudades dos cartões que recebia e colocava encima da mesa. E do momento delicioso, uns 20 dias antes do Natal, de sentar para escrever- e algumas vezes até fazer artesanalmente o cartão – para os amigos espalhados pelo mundo.
Tenho buscado conjugar escrita e teclado. Abandonei as agendas eletrônicas, pois nada melhor do que a visualização da totalidade na agenda física. Quando vou em aulas anoto em cadernos. E tenho buscado trazer qualidades da escrita ao mundo do computador. Não me sinto obrigada a responder mensagens de whatsapp, Messenger ou mails na correria. Só aqueles que são funcionais: que horas você chega, aonde te encontro, etc. Aquelas que são trocas mais profundas, com amigos, me dou o tempo das cartas, ou seja, leio na hora certa, e não necessariamente quando chegou, leio quando posso totalmente ler- ouvir, me dou ao tempo de sentir, integrar, saborear o que li e então respondo … afinal a tecnologia está ali para servir minha alma, e não o oposto. Tenho uma página no facebook, abandonei também a ideia que devo postar com uma regularidade especifica. Posto quando cabe na minha vida. Minha vida não cabe nas mídias.
Alguém disse que só devemos falar quando isto melhora o silêncio. Não creio que possamos melhorar o silêncio, mas busco postar algo somente quando sinto que pelo menos não o perturba e que de alguma forma, pode servir a alguém, ou simplesmente quando brota de dentro. Mas o silêncio vem primeiro e diante dele me curvo.
Por Maria Soledad
Você pode reproduzir este texto na totalidade ou partes citando os autores e o site